“Os protestos dos servidores federais em greve, hoje, provocaram
transtornos em várias cidades do Brasil”, foi assim que Willian Bonner abriu o
Jornal Nacional do dia 09 de agosto. A primeira matéria apresentada no
telejornal enfatizou os imensos congestionamentos, as filas nos aeroportos, a
produção estocada em armazéns de grandes empresas exportadoras, nos portos, na
fronteira. Enfim, a calamidade pública e sua culpada: a greve! Algumas
entrevistas, feitas às pressas com transeuntes, ressaltaram a indignação
daqueles “que nada tem a ver com os problemas do setor público federal”. Um dos
entrevistados, um indignado advogado, aos berros exclamou “eles fecharam a
rodovia e deixam a gente passar só por esse cantinho [aponta para o referido
canto da via]! Onde é que estão os nossos direitos?!”. Isso mesmo, você leu
certo, um advogado... Para finalizar, um renomado economista, secretário de Assuntos
Econômicos do Ministério do Planejamento nos ‘felizes’ anos 90, Raul Velloso,
afirma que “está na hora de acabar com a festa salarial do serviço público”,
que o momento é de arrochar!
Contudo, essa postura da grande imprensa nacional não é surpresa para
ninguém. As quatro principais redes de TV aberta reproduzem o mesmo discurso em
seus telejornais (o que nos leva a uma questão que extrapola os objetivos deste
texto – que, a propósito, nem foram expostos ainda –, qual seja a da efetiva
liberdade de imprensa no Brasil). O que
de fato causa calafrios até mesmo em quem tem, ainda que lá no fundo, esperança
de que o governo encabeçado por Dilma Rousseff mostre seu caráter de (centro-)esquerda,
é a forma como este tem (des)tratado o funcionalismo público federal, em
especial os professores e técnico-administrativos em educação das universidades
e dos institutos federais de educação. Aí está o que se pretende discutir
aqui.
Adentrando a onda das modernas teorias da administração pública (que, de
modo simplificado, pressupõe a adesão aos modelos clássicos da administração
privada), o governo Dilma caracteriza-se, até o presente momento, pela ausência
de diálogo, por decisões de gabinete e por políticas públicas de curto prazo,
pensadas com calculadoras, não com cérebros. O termo mais adequado para o tipo
de governo em curso talvez seja o de ‘gestão’, ou então o de ‘gerência’. É
notável a prioridade do econômico em relação a outros setores essenciais para o
país e, em longo prazo, inclusive para o universo das finanças. A aprovação
(embora com 12 modestos vetos que pouco alteram o retrocesso causado) do novo
Código Ambiental e os pacotes de corte de gastos no setor público (já no
segundo mês do governo o corte anunciado foi de R$ 50 bilhões), que compromete
sobremaneira a qualidade do serviço prestado à população, embora agrade a
banqueiros, investidores e à grande mídia, são exemplos dessa política do agora
para o agora.
Tal política vem acompanhada de uma campanha midiática que,
concomitantemente apresenta o Brasil como um território livre da famigerada
crise econômica mundial e ressalta que é preciso tomar as decisões tendo a
crise na cabeça. Em síntese, exalta-se a seriedade, a diligência, a
objetividade (e demais adjetivos sebosos) com que são tratados pela equipe
econômica do governo federal (MF e MPOG) os assuntos econômicos. A suposta
bonança, a ‘louvável postura’ dessa gestão, a atuação da grande mídia e as
políticas assistencialistas ajudam muito a explicar os altos índices de
aprovação do governo Dilma, mesmo com o país parado pela luta do funcionalismo
público.
Durante o governo Lula, os servidores federais, em especial os
professores e técnico-administrativos em educação, viveram uma situação
contraditória. De uma lado ampliou-se sua participação no mercado de trabalho
nacional, sobretudo com as políticas de expansão e criação de novos institutos
e universidades federais. De outro vivenciaram a estagnação salarial, a perda
de direitos previdenciários e a precarização das condições de trabalho, esta
última produto da própria expansão, que tem sido pautada em critérios numéricos
e quantitativos de fundo político-eleitoreiro, carente de planejamento.
Evidente que a criação de novas instituições federais de ensino está
relacionada a antigas reivindicações de regiões antes preteridas pelo poder
público federal, em especial aquelas distantes das capitais. Exigia-se educação
pública, gratuita e de qualidade que não obrigasse o deslocamento do estudante
para um grande centro estadual. O governo Lula levou a educação pública e
gratuita para estas regiões, espera-se que o governo Dilma contribua com a
qualidade, parcialmente mantida hoje pelo esforço dos servidores.
Que fique claro que o posicionamento aqui defendido não é contrário à
expansão das universidades e institutos federais, o é apenas do modo como tem
sido conduzido. A criação de novos campus de instituições federais é uma
necessidade de várias regiões pauperizadas, entretanto, manter esse modelo é
levar a estes lugares uma ilusão instrumentalizada por escusos interesses.
A greve que iniciou-se em 17 de maio e que hoje abrange a maioria
absoluta das instituições federais de ensino, poderia ter sido evitada ou
abreviada se o governo tivesse criado (e isso só cabe ao governo) e mantido
(aqui sim, governo e sindicatos) um canal de diálogo constante e democrático.
Entretanto, verificou-se uma insistência inflexível em postergar reuniões e
mesas de negociações, tentativas de desmobilização e divisão entre os
servidores em greve (oferecendo propostas para uma das categorias apenas),
ameaças totalitárias como o corte de ponto (fruto da já mencionada adesão aos
modelos da administração privada), e divulgação de informações falaciosas com o
objetivo de jogar a opinião pública contra os servidores paralisados.
Além disso (e isso sim é de fazer tremer de indignação os defensores dos
processos democráticos), ressuscita uma prática que nos remete ao nosso obscuro
passado enquanto nação, qual seja a do peleguismo sindical. Das quatro
entidades que representam os docentes e os técnico-administrativos em educação
(Andes, Sinasefe, Fasubra e Proifes), uma claramente age como porta-voz do
governo entre os servidores. A atuação do Proifes, no mínimo, agride o
bom-senso na medida em que suas práticas indicam que representa o governo e não
as categorias profissionais que deveria defender. A aliança entre governo,
mídia e peleguismo fez com que a proposta apresentada aos docentes fosse
vendida à população como um presente, uma demonstração da boa vontade do
governo e da falta de vergonha (isso mesmo) dos trabalhadores que a recusaram.
Toda greve é um embate entre forças desiguais, o fortalecimento recente
do movimento dos docentes e dos técnico-administrativos em educação (para não
citar as várias outras categorias de servidores federais que estão em greve)
denuncia que estamos diante de um momento decisivo. Diante de nós apresentam-se
no mínimo dois modelos de desenvolvimento, que não são por inteiro
incompatíveis, mas o são em seus aspectos fundamentais. De um lado o já
conhecido modelo economicista, de políticas de curto prazo, de precarização do
serviço público e de anulação do Estado (aí mais um elemento que faz com que a
grande mídia – vinculada às, e parte integrante das, propostas neoliberais –
aplauda a postura desse governo), o que vai ao encontro dos interesses
privados. De outro, um modelo que pensa o Brasil em suas potencialidades, que
prioriza políticas públicas cujos frutos serão colhidos pelas próximas
gerações, que entende que o único caminho para o efetivo desenvolvimento social
é o do investimento em educação e nos profissionais que a ela se dedicam, que
atribui ao Estado papel fundamental na condição de representante e defensor dos
interesses da coletividade nacional.
Temos diante de nós um cenário de possibilidades ou de barbárie, o
momento é de luta e vigilância!
Bruno Antonio Picoli - GEDIS
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