segunda-feira, 11 de maio de 2015

Racismo não existe

Greve de gari.
Greve de médico.
Tudo coincidência.
Uma música emocionante toca ao fundo. Na tevê, aquele programa chato de auditório. A história: um negro, pais pobres, estudou em escola pública, trabalhou e sofreu como o diabo, estudou como um animal por anos, hoje é juiz. Do outro lado da tela, um sujeito apático vê, ouve. Uma reflexão: não há racismo. Não há discriminação. Todos têm as mesmas oportunidades. O que acontece é que uns são mais determinados que os outros. Desliga a tevê. Anda nas ruas e vê os garis que recolhem os lixos. Muitos, quase todos, são negros. O sujeito sofre para pagar uma consulta médica. O médico, quase sempre, branco. O sujeito passeia no fórum: sentado nas cadeiras, aguardando atendimento, muitos, quase todos, negros; dentro dos gabinetes, assessores, juízes e promotores, muitos, quase todos, brancos.

Entretanto, a realidade da televisão ainda é a que prevalece. É muito lógico, afinal supostamente qualquer negro poderia esforçar-se bastante, estudar muito, trabalhar honestamente e, aí sim, sem dúvida seria igual a qualquer branco.

Para constatar o racismo imperante, bastaria ser sincero, olhar para o lado, passear na cidade e ver, simplesmente ver. Bastaria admitir o medo do negrinho andando atrás de ti; o nojo do negrinho recolhendo o lixo; o escárnio a que são submetidos os costumes, danças e comportamentos característicos dos negros.

Todavia, a abordagem individualizada que costumamos empreender turva a nossa visão. Vemos apenas aquele um negro, aquele um branco, aquele um pobre e aquele um rico. Isso nos impede de perceber o lugar previamente reservado para cada uma dessas pessoas na sociedade e a batalha que cada um desses sujeitos precisa enfrentar para não ser fatalmente colocado no espaço a ele reservado.

É como se pretendêssemos analisar o comportamento das formigas observando apenas uma delas, esquecendo-se de todo o ninho.

Consequência disso, a sociedade torna-se incapaz de desenvolver medidas capazes de transformar essa realidade.

Aliás.

O problema é que a maioria das pessoas não está nem aí para esse resultado. Tanto faz se branco ou negro está em posição social privilegiada... na verdade, esse negócio de “posição social”, para muitos, nem sequer existe. O que existe é trabalho e esforço. Logicamente, ninguém está nem aí para o contexto em que os africanos do século XVI e os haitianos do século XXI foram inseridos em nossa sociedade. Basta que se esforcem e vencerão. Raso assim.

Aliás 2.

O problema maior não é o desdém do aliás 1. O problema essencial é que muitas pessoas, muitas mesmo, um número imensurável, têm nojo, ódio, receio desses sujeitos, querem-nos longe e essa é a razão do desprezo, do descaso. O desdém é intencional.

Nesse contexto, conclui-se ainda haver muitos obstáculos a superar para o surgimento de um cenário mais positivo em relação à questão da discriminação racial no Brasil.

Luís Henrique Kohl Camargo - Gedis

Um comentário:

  1. O seu pessimismo (na última frase) procede e o nosso não fica atrás. Já escrevemos que não acreditamos na diminuição de ocorrências racistas enquanto os maiores, e diretamente, interessados não lutarem para acabar com a invisibilidade do racista. O racismo "continuará não existindo" enquanto não houver interesse em definir o racista
    Temos discutido muito a questão do racismo em nosso blog:
    http://saudepublicada.sul21.com.br/category/discriminacao/
    Sugerimos, em especial:
    http://saudepublicada.sul21.com.br/2014/10/01/debater-o-racismo-sem-o-racista-e-muito-complicado-ou-quase-impossivel/http://saudepublicada.sul21.com.br/2014/10/17/a-invisibilidade-dos-negros-e-indesejavel-a-dos-racistas-e-paralisante/
    Att.
    Telmo Kiguel

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