quarta-feira, 17 de junho de 2015

Sobre a crucificação LGBT


Escrevo, talvez um pouco tardiamente, sobre a crucificação fictícia de uma transexual na Parada Gay de São Paulo de 7/6/2015. As reações dos religiosos cristão foram as mais enfáticas possíveis. Sentiram-se menosprezados, desrespeitados, humilhados, alvo de preconceito.

Podem me crucificar, mas vejo essa reação raivosa da bancada religiosa como um bom sinal. O desconforto dos religiosos frente a esse legítimo ato de exercício do direito de liberdade de manifestação é bastante esclarecedor.

Notem: há algum tempo as repressões voltadas ao grupo LGBT aconteceriam fora do cenário político. Não se falava em política sobre isso. Hoje não. Hoje, ganham-se e perdem-se votos em cima da causa LGBT.

Ao contrário do que parece, isso indica que avançamos nessa questão. Hoje, o cristão fervoroso sente a necessidade de defender-se politicamente, em público. Isso só aconteceu devido à consolidação e fortalecimento do movimento LGBT.

(Na verdade, o problema real não é a reação dos religiosos, mas sim o fato de eles estarem no parlamento. Religião desenvolve-se em comunidade, sim, mas política é outra coisa. O pensamento religioso quando se aproxima da política cheira a gente queimada ou apedrejada... quanto a isso, precisamos nos preocupar sim!)

Agora, existe outro motivo para a revolta dos fervorosos. O movimento LGBT vem fazendo em público justamente aquilo que a religião fez com eles a história inteira: menosprezá-los, desrespeitá-los, humilhá-los, criminalizá-los e, ainda que indiretamente, ridicularizá-los. Gente que vai na missa geralmente dá risadinha do "viadinho que anda de um jeito estranho". A parada LGBT mostrou que o escárnio do religioso contra o homossexual pode voltar-se contra o religioso em forma de... escárnio!

Não é de se estranhar que isso cause muita revolta.

O pedestal de superioridade das religiões majoritárias no Brasil está se quebrando. A petulância da parada gay ao crucificar o transexual (uma metáfora bastante adequada, pois a cruz quem carrega hoje são essas pessoas), o beijo gay em novela, o reconhecimento da união estável homoafetiva... tudo isso causa asco a quem desde sempre se acostumou a impor aos demais sua forma de viver a vida como se fosse a única correta. Afinal, o que incomodaria mais o cidadão de bem do que algo que possa lhe retirar o título de "cidadão de bem"?

O pedestal quebra-se, pilar por pilar. Fragiliza-se. Obviamente cada arranhão nesse pedestal sórdido não virá sem urros estrondosos de líderes religiosos. Mas vejam só: os berros desses fanáticos são, além de ridículos, os sinais de que estamos no caminho certo. Os espaços sociais de fanatismo estão gradualmente sendo ocupados pela pluralidade, pela laicidade, pela democracia.

Não se pretende generalizar. Há muitas pessoas inteligentes e sensatas atuando na religião. Do outro lado estão os fanáticos intolerantes que berram quando outras pessoas ousam desejar ter os mesmos direitos.

Há espaço para otimismo nessa questão. Os urros demonstram incômodo, e só incomoda quem tem força para incomodar. A reação da bancada religiosa ilustra o seguinte contraste: antes, a religião esmagava as orientações sexuais diversas do heterossexualismo como se fossem insetos. Hoje, olha para elas à altura dos olhos e precisa gritar para evitar que essas pessoas sejam... iguais!

Luís Henrique Kohl Camargo - Gedis

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