O risco de desastre se
constitui mediante processos sociais inseridos na dinâmica do desenvolvimento
ou do subdesenvolvimento. Esses processos sociais, que criam o risco na
sociedade, relacionam-se especificamente com a forma de uso, ocupação e
transformação do ambiente natural e construído que circunda e sustenta o
sistema social.
As opções urbanísticas não
adequadas, como por exemplo, a localização de construções em leitos de cheias,
loteamentos e construções em morros com mais de trinta por cento de inclinação,
a não adoção e cumprimento de distanciamento mínimo entre usos residências ou
especiais e atividades perigosas, os elevados índices de ocupação e de
concentração populacional sem garantia das condições mínimas de acessibilidade
ou de outros mecanismos de segurança, a falta de informação da população sobre
o perigo que correm e como poderiam proteger-se, são exemplos de riscos aos
quais as comunidades e indivíduos estão expostos.
Narváez, Lavell e Ortega (2009, p.28) criticam certas
práticas ainda utilizadas, mesmo com os avanços da legislação ambiental:
Apesar do alto custo que cobrou a degradação ambiental
da cidade de Pereira [...] a prática de contaminar, canalizar córregos e
saturar bacias urbanas segue tipificando a forma de ocupar e usar o solo urbano
em muitas cidades [...]
O processo de crescimento
dos núcleos urbanos, principalmente nos países subdesenvolvidos ou em
desenvolvimento, potencializa os desastres, por ser acelerado e os poderes
legalmente instituídos não coibirem os usos inadequados da área urbana e suas
adjacências. Como na área rural destes mesmos países a população é menor, os
impactos causados pelos desastres acabam sendo minimizados pela imprensa por
causarem menos vítimas fatais, mas também ocorrem e cada vez mais relacionados
ao uso equivocado do ambiente.
Godard (1997) define dois
tipos de gestão dos recursos naturais: gestão a montante, global e prospectiva e
a gestão a jusante, chamada de gestão cotidiana setorial e restrita. A escolha do
tipo de gestão pelos territórios define o modelo de desenvolvimento adotado e
esboça as conseqüências que poderão advir.
A revisão do Código
Florestal brasileiro, em relação aos desastres, não apresenta uma visão
prospectiva. Incentiva a regularização de habitação em área de risco como
encostas íngremes e áreas inundáveis, o que possibilitará aplicação legal de
dinheiro público para gerar desastres ainda maiores. É a sociedade que está
fazendo a escolha pela legalização de áreas que podem sofrer desastres, devido
à falta de compreensão técnica da maioria e visão setorizada imediatista dos
políticos.
A sociedade contribui para
a perpetuação dos desastres anunciados também devido à falta de
responsabilização dos técnicos e gestores públicos pelos desastres construídos
ou incentivados. Exemplificando o exposto, o desastre do Morro do Bumba no
município de Niterói (RJ), ocorrido em 2010, matou dezenas de pessoas; mesmo
tendo elas sido incentivadas a permanecer no local com as melhorias de
infraestrutura oferecidas, não foi questionada a inexistência de documentos de
responsabilidade técnica para pavimentar as ruas e construir equipamentos
públicos num loteamento irregular. Não existindo documentos de responsabilidade
técnica, os dirigentes públicos deveriam ser responsabilizados pelo CREA
(Conselho Regional de Engenharia e Agronomia) ou pelo CAU (Conselho de
Arquitetura e Urbanismo), por executarem obras sem a documentação mínima
necessária para uma obra legal. Como as vítimas são anônimas os Conselhos
Técnicos, o Ministério Público e a população em geral aceitam passivamente o
desastre como fatalidade.
Em outro exemplo de
desastre gerado pela falta de planejamento, o Governo do Estado de São Paulo
construiu o Conjunto Habitacional Terras Paulistas no município de São Paulo
(SP), permanecendo alagado durante mais
de um mês entre dezembro de 2009 e janeiro de 2010. A sociedade não questionou
como foi possível construir um conjunto habitacional, com dinheiro público, na
várzea do Rio Tietê, área considerada tecnicamente inundável e ainda assim
ninguém ter sido responsabilizado.
Os dois casos acima
descritos denotam que a visão técnica e a gestão prospectiva em nosso país para
a prevenção de desastre são desconsideradas, corroborando a afirmação de que em
muitos casos os desastres são criados pela sociedade, por ações e omissões. No
Brasil muitos dos deslizamentos que se transformaram em desastres e tragédias
ocorreram sobre área com loteamentos aprovados ilegalmente, em áreas de APP
modificadas.
Na área rural, não é
diferente a concepção dos desastres; citando como exemplo a perda dos bens e o
êxodo rural, devido às estiagens constatadas na região Oeste e Extremo-Oeste de
Santa Catarina, são conseqüências das ações da sociedade que deflorestou,
drenou os banhados, aumentou a produção de animais e agora não há água
suficiente para manter a produção. O governo catarinense na contra mão do
desenvolvimento sustentável, ao invés de incentivar a recuperação ambiental,
propõe a construção de obras, alimentando o ciclo do desperdício do dinheiro
público sem sustentabilidade. As obras propostas seriam aceitáveis
tecnicamente, desde que ligadas à obrigatoriedade da recuperação ambiental das
propriedades, com repasse de recursos pelo governo para este fim.
O planejamento territorial, levando em conta a
fragilidade ambiental, é uma ferramenta para a sustentabilidade. Wilches-Chaux,
(2007, p.145) afirma que:
Quando tentamos subjugar a natureza, planejando e
levando a termo o desenvolvimento sem respeitar os ecossistemas, este desenvolvimento
não é sustentável, e cedo ou tarde a natureza passa a conta em dobro. A isto
lhe damos o inexato nome de “desastres naturais”.
A concepção social do desastre está intimamente ligada
à falta de planejamento e gestão prospectiva.
O mapeamento do território rural e urbano determinando onde cada
atividade pode ou não instalar-se, o chamado planejamento territorial, é uma
ferramenta para minimizar os riscos e alcançar o desenvolvimento sustentável. A
sociedade tem papel fundamental devendo exigir que o planejamento, avalizado
por ela, seja colocado em prática. Os
planos diretores não conseguem lograr esta função sem a capacitação e
participação da população para que, com conhecimento de causa, possam direcionar
para o planejamento sustentável, com respeito ao meio ambiente, lembrando que
as previsões advindas do aquecimento global
vem comprovando o aumento da quantidade e magnitude dos desastres.
Rosângela Favero - GEDIS
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