sexta-feira, 4 de maio de 2012

A concepção social dos desatres


O risco de desastre se constitui mediante processos sociais inseridos na dinâmica do desenvolvimento ou do subdesenvolvimento. Esses processos sociais, que criam o risco na sociedade, relacionam-se especificamente com a forma de uso, ocupação e transformação do ambiente natural e construído que circunda e sustenta o sistema social.
As opções urbanísticas não adequadas, como por exemplo, a localização de construções em leitos de cheias, loteamentos e construções em morros com mais de trinta por cento de inclinação, a não adoção e cumprimento de distanciamento mínimo entre usos residências ou especiais e atividades perigosas, os elevados índices de ocupação e de concentração populacional sem garantia das condições mínimas de acessibilidade ou de outros mecanismos de segurança, a falta de informação da população sobre o perigo que correm e como poderiam proteger-se, são exemplos de riscos aos quais as comunidades e indivíduos estão expostos.
Narváez, Lavell e Ortega (2009, p.28) criticam certas práticas ainda utilizadas, mesmo com os avanços da legislação ambiental:

Apesar do alto custo que cobrou a degradação ambiental da cidade de Pereira [...] a prática de contaminar, canalizar córregos e saturar bacias urbanas segue tipificando a forma de ocupar e usar o solo urbano em muitas cidades [...]


O processo de crescimento dos núcleos urbanos, principalmente nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, potencializa os desastres, por ser acelerado e os poderes legalmente instituídos não coibirem os usos inadequados da área urbana e suas adjacências. Como na área rural destes mesmos países a população é menor, os impactos causados pelos desastres acabam sendo minimizados pela imprensa por causarem menos vítimas fatais, mas também ocorrem e cada vez mais relacionados ao uso equivocado do ambiente.
Godard (1997) define dois tipos de gestão dos recursos naturais: gestão a montante, global e prospectiva e a gestão a jusante, chamada de gestão cotidiana setorial e restrita. A escolha do tipo de gestão pelos territórios define o modelo de desenvolvimento adotado e esboça as conseqüências que poderão advir.
A revisão do Código Florestal brasileiro, em relação aos desastres, não apresenta uma visão prospectiva. Incentiva a regularização de habitação em área de risco como encostas íngremes e áreas inundáveis, o que possibilitará aplicação legal de dinheiro público para gerar desastres ainda maiores. É a sociedade que está fazendo a escolha pela legalização de áreas que podem sofrer desastres, devido à falta de compreensão técnica da maioria e visão setorizada imediatista dos políticos.
A sociedade contribui para a perpetuação dos desastres anunciados também devido à falta de responsabilização dos técnicos e gestores públicos pelos desastres construídos ou incentivados. Exemplificando o exposto, o desastre do Morro do Bumba no município de Niterói (RJ), ocorrido em 2010, matou dezenas de pessoas; mesmo tendo elas sido incentivadas a permanecer no local com as melhorias de infraestrutura oferecidas, não foi questionada a inexistência de documentos de responsabilidade técnica para pavimentar as ruas e construir equipamentos públicos num loteamento irregular. Não existindo documentos de responsabilidade técnica, os dirigentes públicos deveriam ser responsabilizados pelo CREA (Conselho Regional de Engenharia e Agronomia) ou pelo CAU (Conselho de Arquitetura e Urbanismo), por executarem obras sem a documentação mínima necessária para uma obra legal. Como as vítimas são anônimas os Conselhos Técnicos, o Ministério Público e a população em geral aceitam passivamente o desastre como fatalidade.
Em outro exemplo de desastre gerado pela falta de planejamento, o Governo do Estado de São Paulo construiu o Conjunto Habitacional Terras Paulistas no município de São Paulo (SP),  permanecendo alagado durante mais de um mês entre dezembro de 2009 e janeiro de 2010. A sociedade não questionou como foi possível construir um conjunto habitacional, com dinheiro público, na várzea do Rio Tietê, área considerada tecnicamente inundável e ainda assim ninguém ter sido responsabilizado.
Os dois casos acima descritos denotam que a visão técnica e a gestão prospectiva em nosso país para a prevenção de desastre são desconsideradas, corroborando a afirmação de que em muitos casos os desastres são criados pela sociedade, por ações e omissões. No Brasil muitos dos deslizamentos que se transformaram em desastres e tragédias ocorreram sobre área com loteamentos aprovados ilegalmente, em áreas de APP modificadas.
Na área rural, não é diferente a concepção dos desastres; citando como exemplo a perda dos bens e o êxodo rural, devido às estiagens constatadas na região Oeste e Extremo-Oeste de Santa Catarina, são conseqüências das ações da sociedade que deflorestou, drenou os banhados, aumentou a produção de animais e agora não há água suficiente para manter a produção. O governo catarinense na contra mão do desenvolvimento sustentável, ao invés de incentivar a recuperação ambiental, propõe a construção de obras, alimentando o ciclo do desperdício do dinheiro público sem sustentabilidade. As obras propostas seriam aceitáveis tecnicamente, desde que ligadas à obrigatoriedade da recuperação ambiental das propriedades, com repasse de recursos pelo governo para este fim.
O planejamento territorial, levando em conta a fragilidade ambiental, é uma ferramenta para a sustentabilidade. Wilches-Chaux, (2007, p.145) afirma que:

Quando tentamos subjugar a natureza, planejando e levando a termo o desenvolvimento sem respeitar os ecossistemas, este desenvolvimento não é sustentável, e cedo ou tarde a natureza passa a conta em dobro. A isto lhe damos o inexato nome de “desastres naturais”.

A concepção social do desastre está intimamente ligada à falta de planejamento e gestão prospectiva.  O mapeamento do território rural e urbano determinando onde cada atividade pode ou não instalar-se, o chamado planejamento territorial, é uma ferramenta para minimizar os riscos e alcançar o desenvolvimento sustentável. A sociedade tem papel fundamental devendo exigir que o planejamento, avalizado por ela, seja  colocado em prática. Os planos diretores não conseguem lograr esta função sem a capacitação e participação da população para que, com conhecimento de causa, possam direcionar para o planejamento sustentável, com respeito ao meio ambiente, lembrando que as previsões advindas do aquecimento global  vem comprovando  o aumento  da quantidade e magnitude dos desastres.

Rosângela Favero - GEDIS

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