A
discussão jurídica atual forma seu contexto combinando três aspectos: a complexidade não percebida do direito
contemporâneo, sua expansão tanto em relevância
social quanto ao acesso ao judiciário, por fim a expansão do número de
vagas ao ensino superior.
A
combinação destes três fatores num contexto político de certa apatia fez com
que todos busquem o direito acreditando ser ele uma técnica de memorização
legal pela qual o sujeito estaria apto a uma boa carreira, ou a saber manusear
a lei a seu favor.
A
incompreensão das implicações inerentes ao direito dá a falsa noção de que o
direito é fácil, abrindo margem para que o senso comum se distancie largamente
da ciência do direito. Muitos dirão “isso ocorre em todas as ciências”; de fato
ocorre, mas o que há de anormal na produção de conhecimento jurídico é o fato
de que, em outras ciências, os estudantes refutam desde logo o que há de
errôneo e apriorístico no senso comum, o que não ocorre com os bacharelandos de
direito.
Torna-se
fato corriqueiro ver alunos repetindo chavões do senso comum. Mesmo concluindo
o curso é comum a existência de alunos que pautam sua opinião por conclusões
estabelecidas na Veja, Época, Jornal Nacional e outro mecanismos da grande
mídia, subordinando a trajetória do conhecimento jurídico a “achismos”
inconseqüentes, fruto de uma análise feita apriori,
impossível de ser sustentada quando se compreende a razão histórica de
determinadas opções legais, as quais são frutos lutas políticas deflagradas ao
longo do tempo.
Tal fato motiva elencar um rol de
chavões descabidos que tem empesteado as discussões em sala de aula, para que eles sejam
evitados, e os alunos partam de pressupostos mais qualificados. São eles:
1)
“Nunca
houve uma sociedade tão violenta quanto a atual”... Pergunta-se que
sociedade foi menos violência que a atual;
2) “Com menor não dá nada”... As
casas de recuperação de menores estão cheias de que?;
3)
“Os
empresários são que mais pagam impostos neste país”... Proporcionalmente
não;
4)
“Tem
que privatizar para diminuir a corrupção”... Se o estado
ficar sem nada uma coisa é certa: ninguém vai roubar nada dele;
5)
“Direitos
humanos não são para bandido”... Se o bandido for
humano deveria sê-lo;
6)
“As
crianças não se educam mais pelo excesso de direitos dados a elas”... Em
Auschwitz as crianças judias eram bem educadinhas!;
7)
“As
leis são muito brandas”... As da Noruega, talvez;
8)
“A
saída é pena de morte”... Para aquele que crê pode ser a entrada para o
reino do céu;
9) “Não se deve controlar os meios
de comunicação em uma sociedade democrática”...
Assim seremos controlados por eles;
10) “Liberdade de imprensa é poder
dizer qualquer coisa”;
11) “É preciso reduzir a carga
tributária”... De quem? E como?;
12) “Lei é para ser obedecida”...
Lei é para ser interpretada;
13) “A família é um valor que precisa
ser resgatado”... Qual o preço do resgate? Quem a
seqüestrou?;
14) “É preciso reduzir a idade penal
para que os criminosos a não recrutem
adolescentes para o crime”... Se for reduzida para
doze anos eles irão recrutar crianças;
15) “É inadmissível que alguém
indiciado esteja livre para se envolver em outros crimes”...
É admissível sim: o nome disso é “presunção de inocência”;
16) “Não é justo que aqueles que
produzem mais paguem mais impostos”... Justo seria quem
lucra mais pagar mais impostos, mas isto não acontece;
17) “É melhor qualquer trabalho que trabalho
nenhum”... Claro, até 13 de maio de 1888 não havia nenhum negro
desempregado;
18) “A Justiça do Trabalho protege o
trabalhador”... por isso tem esse nome!;
19) “Negar a extradição de alguém
gera um incidente diplomático”... só gera incidente
diplomático quando um país do sul do mundo nega extradição pedida por um país
da Europa ou os EUA, o contrário não;
20) “O Brasil não extradita brasileiros, esta é
uma das causas da impunidade”... O Brasil e o resto mundo. Que mundo
impune...;
21) “Abrir o comércio aos domingos
gera emprego”...
se trabalha-se no domingo, qual é sua função?
22) “A redução da jornada de trabalho
gera desemprego”... Façamos as contas. O DIEESE fez e chegou
à conclusão contrária;
23) “Não devemos estabelecer relações
com países não-democráticos”... Ótimo! Aí nosso
comércio exterior vai ficar restrito a aproximadamente uns cinqüenta países!;
24) “Nem tudo que é jurídico é moral”...
Por isso inventaram estes dois conceitos.
A ampla difusão
destes chavões, tanta vezes repetidos em salas de aula de cursos de Direito,
acontece pela crença errônea presente no imaginário de muitos alunos e – pasmem!
– até de alguns professores de que informação é conhecimento.
Informação é um
indicativo, no máximo um fragmento do conhecimento, e é por isso que ter
informação não significa necessariamente ter conhecimento. Não se pode obter
conhecimento apenas lendo uma reportagem ou escutando o comentarista de algum
telejornal, pois, via de regra, o conhecimento conflita com esta opiniões. Desse
modo, a reprodução em sala de aula destas opiniões da grande mídia precisa ser
feita à luz da diferença entre conhecimento e informação.
Samuel Mânica Radaelli - GEDIS
agradeço ao colega luis henrique kohl camargo pelas ilustraçoes trazendo mais alguns chavões anti-jurídicos, eles refeltem bem o esforço do texto em lutar um outro senso comum.
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