segunda-feira, 16 de julho de 2012

Manual do apriorismo jurídico


A discussão jurídica atual forma seu contexto combinando três aspectos: a  complexidade não percebida do direito contemporâneo, sua expansão tanto em relevância  social quanto ao acesso ao judiciário, por fim a expansão do número de vagas ao ensino superior.
A combinação destes três fatores num contexto político de certa apatia fez com que todos busquem o direito acreditando ser ele uma técnica de memorização legal pela qual o sujeito estaria apto a uma boa carreira, ou a saber manusear a lei a seu favor.
A incompreensão das implicações inerentes ao direito dá a falsa noção de que o direito é fácil, abrindo margem para que o senso comum se distancie largamente da ciência do direito. Muitos dirão “isso ocorre em todas as ciências”; de fato ocorre, mas o que há de anormal na produção de conhecimento jurídico é o fato de que, em outras ciências, os estudantes refutam desde logo o que há de errôneo e apriorístico no senso comum, o que não ocorre com os bacharelandos de direito.
Torna-se fato corriqueiro ver alunos repetindo chavões do senso comum. Mesmo concluindo o curso é comum a existência de alunos que pautam sua opinião por conclusões estabelecidas na Veja, Época, Jornal Nacional e outro mecanismos da grande mídia, subordinando a trajetória do conhecimento jurídico a “achismos” inconseqüentes, fruto de uma análise feita apriori, impossível de ser sustentada quando se compreende a razão histórica de determinadas opções legais, as quais são frutos lutas políticas deflagradas ao longo do tempo.
            Tal fato motiva elencar um rol de chavões descabidos que tem empesteado as discussões  em sala de aula, para que eles sejam evitados, e os alunos partam de pressupostos mais qualificados. São eles:

1)    Nunca houve uma sociedade tão violenta quanto a atual”... Pergunta-se que sociedade foi menos violência que a atual;
2)    “Com menor não dá nada”... As casas de recuperação de menores estão cheias de que?;
3)    Os empresários são que mais pagam impostos neste país”... Proporcionalmente não;
4)    “Tem que privatizar para diminuir a corrupção”... Se o estado ficar sem nada uma coisa é certa: ninguém vai roubar nada dele;
5)    “Direitos humanos não são para bandido”... Se o bandido for humano deveria sê-lo;
6)    As crianças não se educam mais pelo excesso de direitos dados a elas”... Em Auschwitz as crianças judias eram bem educadinhas!;
7)    “As leis são muito brandas”... As da Noruega, talvez;
8)    A saída é pena de morte”... Para aquele que crê pode ser a entrada para o reino do céu;
9)    “Não se deve controlar os meios de comunicação em uma sociedade democrática”... Assim seremos controlados por eles;
10)  “Liberdade de imprensa é poder dizer qualquer coisa”;
11)  “É preciso reduzir a carga tributária”... De quem? E como?;
12)  “Lei é para ser obedecida”... Lei é para ser interpretada;
13)  “A família é um valor que precisa ser resgatado”... Qual o preço do resgate? Quem a seqüestrou?;
14)  “É preciso reduzir a idade penal para que os criminosos  a não recrutem adolescentes para o crime”... Se for reduzida para doze anos eles irão recrutar crianças;
15)  “É inadmissível que alguém indiciado esteja livre para se envolver em outros crimes”... É admissível sim: o nome disso é “presunção de inocência”;
16)  “Não é justo que aqueles que produzem mais paguem mais impostos”... Justo seria quem lucra mais pagar mais impostos, mas isto não acontece;
17)  É melhor qualquer trabalho que trabalho nenhum”... Claro, até 13 de maio de 1888 não havia nenhum negro desempregado;
18)  “A Justiça do Trabalho protege o trabalhador”... por isso tem esse nome!;
19)  “Negar a extradição de alguém gera um incidente diplomático”... só gera incidente diplomático quando um país do sul do mundo nega extradição pedida por um país da Europa ou os EUA, o contrário não;
20)  O Brasil não extradita brasileiros, esta é uma das causas da impunidade”... O Brasil e o resto mundo. Que mundo impune...;
21)  “Abrir o comércio aos domingos gera emprego”...  se trabalha-se no domingo, qual é sua função?
22)  “A redução da jornada de trabalho gera desemprego”... Façamos as contas. O DIEESE fez e chegou à conclusão contrária;
23)  “Não devemos estabelecer relações com países não-democráticos”... Ótimo! Aí nosso comércio exterior vai ficar restrito a aproximadamente uns cinqüenta países!;
24)  “Nem tudo que é jurídico é moral”... Por isso inventaram estes dois conceitos.

A ampla difusão destes chavões, tanta vezes repetidos em salas de aula de cursos de Direito, acontece pela crença errônea presente no imaginário de muitos alunos e – pasmem! – até de alguns professores de que informação é conhecimento.
Informação é um indicativo, no máximo um fragmento do conhecimento, e é por isso que ter informação não significa necessariamente ter conhecimento. Não se pode obter conhecimento apenas lendo uma reportagem ou escutando o comentarista de algum telejornal, pois, via de regra, o conhecimento conflita com esta opiniões. Desse modo, a reprodução em sala de aula destas opiniões da grande mídia precisa ser feita à luz da diferença entre conhecimento e informação.



Samuel Mânica Radaelli - GEDIS

Um comentário:

  1. agradeço ao colega luis henrique kohl camargo pelas ilustraçoes trazendo mais alguns chavões anti-jurídicos, eles refeltem bem o esforço do texto em lutar um outro senso comum.
    samuel radaelli

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