DE BEM NA
LAVANDERIA*
Faça suas
orações uma vez por dia. Essa é a primeira parte de um importante conselho de
Tom Zé, ao qual emenda “e depois mande a consciência junto com os lençóis para
a lavanderia”. A debochada recomendação parece ser mais atual hoje que em 1972,
quando foi escrita. Isso porque o recente advento das redes sociais ofereceu,
como denunciou Umberto Eco, um megafone a uma legião de idiotas. Sim, de
idiotas! Na acepção filosófica, o idiota é por escolha incapaz de alhear-se do
mundo, recolher-se no mais íntimo de si, com sua consciência, e responder ao
seu inquérito olhando no olho. O idiota é o Hipias Maior do famoso diálogo
socrático.
Esse idiota
não é burro, muito menos louco. É o cidadão comum da canção de Belchior, ou
como é mais conhecido, o cidadão de bem. Acredita que ao fazer o que faz está construindo um mundo melhor. Regozija-se
a cada fim de dia com a prazerosa “sensação da missão cumprida”. Uma das
publicações periódicas da Ku Klux Klan, entre 1913 e 1933, era intitulada “O
bom cidadão”. Para além disso, os julgamentos dos criminosos nazistas,
especialmente, o de Adolf Eichmann em 1962, acompanhado em tempo real por
Hannah Arendt assombraram o mundo porque o que se viu é que não eram monstros
aqueles homens. Eram normais, comuns, de bem, cujas ações foram monstruosas.
Eichmann mesmo era um amável pai de família, dedicado esposo, vizinho querido
e, principalmente, já que muito se orgulhava por isso, um cidadão cumpridor das
leis. Coordenou, assim, a logística responsável pelo assassinato de mais de 6 milhões
de pessoas. Afirmava não nutrir nenhum ódio pessoal por suas vítimas, tendo a
sua consciência limpa. Eichmann e os membros da KKK não contavam com o recurso
hodierno das redes sociais. Não podiam, assim, em tempo real, no calor da hora,
fazer aquilo que é mais característico aos denunciados por Eco, ou seja,
expressar-se e agir sem recolher-se em sua consciência, sem considerar a dor do
outro.
Dois fatos
recentes promoveram a mobilização da legião de idiotas. Os fatos foram
inclusive ofuscados pela repercussão e pela manifestação dos refinados “scemos”.
O adoecimento repentino e falecimento da ex-primeira-dama deixou claro o quão longe do bem estão os
cidadãos de bem, incapazes de se solidarizar até mesmo com a dor de uma
situação limite como a morte. Em seu desejo mortal de aniquilamento, acusam o
enlutado de um pecado futuro, imputando dolo de forma vil e covarde. Em
Chapecó, cidade recentemente abalada por um acidente com seu time de futebol,
que recebeu o abraço do mundo e sua solidariedade, seus cidadãos de bem
demonstraram desprezo pela morte absurda de um menino indígena. Um menininho
indígena é, inclusive, mascote do referido time. Mas não podemos confundir: é
um indiozinho gourmetizado. Para o cidadão de bem chapecoense, índio de verdade
tem mais é que morrer, seja de fome, de abandono, ou “na contramão atrapalhando
o tráfego”. Que não esqueçam, os bons cidadão, de fazer suas orações uma vez
por dia...
Bruno Antonio
Picoli – Professor.
EU CIDADÃO DE BEM*
Quantas vezes, penso!
Sobre o a fazer.
De repente, entendo
sobre um tal porquê
que muito orando
e sempre tentando
do bem consigo ser.
É tudo porque não sabia
que uma oração por dia
bom cidadão seria a crer.
Sou vil idiota
de uma consciência a perceber
como perspicaz agiota,
na busca do Belo ver
mas, esqueço-me de tudo
porque de bem e astuto
é o que quero ser.
Quanta indiferença!
E, limpar a consciência:
é só o que penso em fazer.
Fábio Soares. Professor e Mestre
em Comunicação.
*Publicados na Coluna Pimenteiro da versão impressa do Jornal Diário Data X de 10 de fevereiro de 2017.
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