segunda-feira, 27 de março de 2017

GOSTO SE DISCUTE!*

Nosso país é rico em diversidade artístico-cultural e a música popular brasileira, embora não seja tão apreciada por aqui, é reconhecida e valorizada em boa parte do mundo. No entanto, ao longo dos últimos anos, a interferência da indústria cultural e dos interesses da mídia vem fazendo com que a música, outrora consequência de expressão artística, se transforme num ‘produto’ descartável, desprovido de qualidade e que parece ter a clara função de contribuir para a imbecilidade e alienação social. Tornou-se comum rotular estilos e gêneros de uma forma que não condiz com suas características originais. Não é só sertanejo que não é sertanejo e funk que não é funk, mas também se costuma chamar de artista aquele que não é artista.
O artista se cria em meio à sensibilidade, estudo, dedicação e capacidade de compreender e se expressar através da arte. O fato de alguém subir num palco e apresentar alguma coisa não o faz artista. Ser adepto de tal ‘indústria’ e se despreocupar com o fazer artístico enquanto corre enlouquecidamente atrás do sucesso a qualquer custo, utilizando-se na maioria das vezes de recursos apelativos, que vão da imagem pessoal às letras paupérrimas e com refrãos monossilábicos que demonstram claramente a falta de criatividade do compositor, evidencia a real intenção de quem o ‘lançou’ ao mercado. Não me surpreende que esse tipo de música necessite de tantos artifícios para chegar até o público. Presumo que os próprios produtores reconhecem a baixa qualidade das músicas, por isso, tanto investimento extra para ‘estourar’. Incluo nesse contexto o famoso “jabá” que empurra “goela abaixo” do povo esse tipo de produção musical.
Insistir em viver de arte no Brasil não é tarefa fácil. Significa falta de lugares para se apresentar, falta de orçamento, exploração ‘recreativa’, uma vida financeiramente limitada, além do desdém de boa parte da sociedade que ainda associa o trabalho artístico à “vagabundagem”. É imprescindível filtrarmos o que entra em nossos ouvidos, deixarmos de ser passivos e garimparmos músicas ‘não midiáticas’ para apreciação. Há uma mina de ouro musical além da mídia, incluindo artistas do oeste catarinense. Saber que a maioria dos brasileiros não aprecia a música popular brasileira, negando sua própria cultura musical, demonstra o quanto carecemos mudar esse cenário e recuperarmos nossa identidade musical.               
        
Wagner Kinappe – Professor de arte e músico


MÚSICA LÍQUIDA*

Aqui, gosto se discute
e o que gostar, também.
A MPB que desvaloriza
e chega a sofrer desdém.
Enquanto a indústria cultural,
provocando alienação social
rotula o grande artista do bem.

Ser artista não é fácil
Estudo e dedicação é preciso
Compreender e se expressar,
De olho no fazer artístico.
Não precisa de “jabá”
mas, pra conseguir estourar,
enfrenta grande martírio.

O artista é um vagabundo
Muitos assim são ditos.
Enganados estes estão
Não controlam nem seus ouvidos
Escutam o que as mídias lhes dão
Passivos e em recreação
Todos os sons parecem-lhes líquidos.

Fabio Soares – Professor e mestre em Comunicação  

*Publicados na Coluna Pimenteiro na versão impressa do Diário Data X de 17 de março de 2017.

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