GOSTO SE DISCUTE!*
Nosso
país é rico em diversidade artístico-cultural e a música popular brasileira,
embora não seja tão apreciada por aqui, é reconhecida e valorizada em boa parte
do mundo. No entanto, ao longo dos últimos anos, a interferência da indústria
cultural e dos interesses da mídia vem fazendo com que a música, outrora
consequência de expressão artística, se transforme num ‘produto’ descartável,
desprovido de qualidade e que parece ter a clara função de contribuir para a
imbecilidade e alienação social. Tornou-se comum rotular estilos e gêneros de
uma forma que não condiz com suas características originais. Não é só sertanejo
que não é sertanejo e funk que não é funk, mas também se costuma chamar de
artista aquele que não é artista.
O
artista se cria em meio à sensibilidade, estudo, dedicação e capacidade de
compreender e se expressar através da arte. O fato de alguém subir num palco e
apresentar alguma coisa não o faz artista. Ser adepto de tal ‘indústria’ e se
despreocupar com o fazer artístico enquanto corre enlouquecidamente atrás do
sucesso a qualquer custo, utilizando-se na maioria das vezes de recursos
apelativos, que vão da imagem pessoal às letras paupérrimas e com refrãos
monossilábicos que demonstram claramente a falta de criatividade do compositor,
evidencia a real intenção de quem o ‘lançou’ ao mercado. Não me surpreende que
esse tipo de música necessite de tantos artifícios para chegar até o público.
Presumo que os próprios produtores reconhecem a baixa qualidade das músicas, por
isso, tanto investimento extra para ‘estourar’. Incluo nesse contexto o famoso
“jabá” que empurra “goela abaixo” do povo esse tipo de produção musical.
Insistir
em viver de arte no Brasil não é tarefa fácil. Significa falta de lugares para
se apresentar, falta de orçamento, exploração ‘recreativa’, uma vida
financeiramente limitada, além do desdém de boa parte da sociedade que ainda
associa o trabalho artístico à “vagabundagem”. É imprescindível filtrarmos o
que entra em nossos ouvidos, deixarmos de ser passivos e garimparmos músicas
‘não midiáticas’ para apreciação. Há uma mina de ouro musical além da mídia,
incluindo artistas do oeste catarinense. Saber que a maioria dos brasileiros
não aprecia a música popular brasileira, negando sua própria cultura musical,
demonstra o quanto carecemos mudar esse cenário e recuperarmos nossa identidade
musical.
Wagner Kinappe – Professor de arte
e músico
MÚSICA LÍQUIDA*
Aqui, gosto se discute
e o que gostar, também.
A MPB que desvaloriza
e chega a sofrer desdém.
Enquanto a indústria cultural,
provocando alienação social
rotula o grande artista do bem.
Ser artista não é fácil
Estudo e dedicação é preciso
Compreender e se expressar,
De olho no fazer artístico.
Não precisa de “jabá”
mas, pra conseguir estourar,
enfrenta grande martírio.
O artista é um vagabundo
Muitos assim são ditos.
Enganados estes estão
Não controlam nem seus ouvidos
Escutam o que as mídias lhes dão
Passivos e em recreação
Todos os sons parecem-lhes líquidos.
*Publicados na Coluna Pimenteiro na versão impressa do Diário Data X de 17 de março de 2017.
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