sexta-feira, 26 de maio de 2017

O OUTRO LADO DA CIDADE*

Vi ontem uma menina que debatendo-se de um lado para outro, tentava olhar as pessoas e não conseguia...nem olhava pra ela mesma...só corria! E nessa corrida, vi passarem dias e anos de sua vida por entre meus dedos e não consegui reter a ideia em parágrafos. Tentei segurá-la e dizer para!!! Mas ela já fugia e fugi também eu.
Vi hoje alguém que se rolava na cama sem conseguir dormir. Tentei acalentar, mas os braços pendiam cansados da própria insônia...e eu dormi! Dormi enquanto a vida corria sem dar lugar ao sonho. No sonho sem sono,
os que dormiam lastimavam a falta dos braços que não acalentaram.
Vi uma criança abusada...sem ter noção do trauma, desenvolveu a agressividade. Ninguém conseguia saciar sua sede de vingança e por isso seus olhos verdes faiscavam sem noção. Qualquer motivo virava agressão e para tal não havia limites. E eu intervi. E seu olhar mesclava alegria e dor.
Qual o limite do amor da mãe nessa história? Deveria ser de força...mas virou paixão pelo agressor e ela soltou-se da filha e a deixou ir...pra onde? Pouco importava a distância, desde que fosse pra longe dos olhos do Lobo Bobo e seu olhar guloso. A mãe quis ser a chapeuzinho...nem viu que a própria filha havia entrado no bosque...com o lobo.
Vi um menino que chorava porque apanhou sem bater graças ao código de honra da luta que treinava...mas, para ele não sobrou honra nenhuma. Os que o consolavam insistiam em declarar: você só apanhou, não bateu. E ele engolia seu orgulho ferido com muitas lágrimas de dor e humilhação. Disse que não queria colocar a família no meio, mas ela veio e prostrou-se em frente ao colégio para a hora da vingança. Ela não ocorreu. A polícia chegou. O menino tem 11 anos.
Vi a professora acuada em um canto da sala enquanto a tempestade de vozes gritadas ecoava pela sala...raios, trovões e vento...forte! enquanto o temporal ocorria, a professora ensinava... Português ou Matemática? Não havia como identificar, nem ela própria sabia...sabia, antes de entrar na sala de aula, depois já nem sabe o que fazia ali.
Vi uma menina que saiu da casa lar pra enfrentar a vida e logo viu que não segurava nem a dela... . Daí, resolveu fazer um filho em si mesma. Começou o seu longo parto aos 12 anos de idade e espalhava sua própria revolta fazendo da barriga um troféu à tristeza. Os outros que a aguentassem porque ela estava grávida... e agarrou a mão da professora e chorou todos as suas lágrimas... queria passar a responsabilidade daquela vida que ela via agora que já era, que ela não queria. Então, começou a beber.
Vi uma criança envolvida em assassinatos...mas era menor de idade e devia frequentar a escola...então, ela foi estudar... Maneiras de agredir ao outro que não tinha tempo de ficar ao seu lado na hora em que ela mais precisava. Ai, resolveu bater. Chamou a atenção da profe...empurrou-a com seus braços, não pra matar, só pra mostrar seu grande drama pessoal! Mas a professora caiu ...Ocorrência!!! A justiça foi “feita” ...mudou de escola. Resolveu-se o “problema”.
Vi uma menina com grande dom pra arte, mas morava numa casa com irmãos, tios , primos, vó,vô...sem mãe, porque a mãe largou os filhos para seguir um novo amor. E eles, os filhos, ficaram...na rua ou na casa do outros. A menina dessa história tinha pai e ele a levou pra casa. A ela e a um novo filho que era filho da mesma mãe...só!
Vi esse mesmo menino guardar drogas na mochila e sair com os olhos alucinados correndo pela sala de aula para conter a adrenalina. Enquanto isso, a rotina escolar corria...gritos, correria e quadro...negro!!!Esta´ politicamente correto? Posso referir-me ao caos como negro já que o quadro é branco? Branco de quê? De limpeza, pois se alguém tenta escrever e ensinar, vem aquele que não enxerga e, por isso mesmo, apaga com seu corpo o que está escrito enquanto a profe tenta escrever.
Vi este menino que não vê, criar teias de aranha em sua cadeira...não tem o que fazer! Não há material e nem vontade, pois construíram pra ele um castelo de longas torres em que ele pode se isolar. E acreditar que não tem destino ...enquanto isso, aproveita o seu laudo sem direito a segunda profe, afinal ele consegue sair da sala sozinho e ir até o lanche e sabe usar o banheiro…por que não consegue ler?
Vi uma sala do fundamental cheia de alunos que não sabem ler, mas passaram pela alfabetização, afinal pra que permanecer no mesmo ano? O número também não muda? Então, eles se amontoam na sala e fingem com indisciplina ou solidão um mundo de letras e símbolos que não lhes pertencem. Então, vi a professora, no meio do tumulto chorar, porque um aluno leu uma frase...inteira! E não “sabia” ler, só copiava o que mandavam. Mas leu. No único minuto de paz que houve na sala. Depois tudo voltou ao “normal”.
Vi a dor em forma de violência, a inocência em forma de lascívia, a revolta transformar-se em risos histéricos embriagados, a decepção travestida em TDH, a esperança guardar-se no fundo dos olhos...quem sabe um dia? Cheguei mais perto da sala e vi lá, no fundo acuado, pares de olhos vibrantes grudando em mim, como se dizendo: continua! E eu continuei...
Enquanto isso, o governo tem uma fórmula para o novo Ensino Médio...

Marcia Brasil Stonoga, Professora, especialista em Estética


INVISIBILIDADES*

Vida olhada,
vivida, partida, juntada.
Mardita, bendita, frustrada,
corrida e de noite enfadada.
Vida olhada,
Ardida, sentida e amada
por quem dela faz a estrada
de uma vida invisibilizada.

A vida, na verdade é...
aquela que dela se faz.
Em fuga dos medos de mim
ou quem sabe de um Alcatraz.
Correndo sem olhar para os lados.
Sem escrever seus lindos parágrafos,
sem sonhos e uma insônia costumaz.

Os braços da vida acalentam
Outras vidas que deles precisam.
Abusos de arbustos florescem
de forma vigente, ardil e paralisam
pequena vida vivida e entorpecem
com raiva e vingança que aparecem
chafurdando os que no sonho acreditam.

E amor? Com amor se paga?
Nem sempre é isso que acontece.
Por vezes, o amor se apaga
dando lugar ao que empobrece
o amor, que em estupor se instala
fazendo do amor luz macabra
e o Lobo que da Chapeuzinho se apetece.

A violência daí surge um tanto
como mágica sem explicação? Não!
É construída e alicerçada em cantos,
gabinetes e a falta de educação
prum” povo que vive de encantos,
promessas, conchavos e de mandos
dos que no poder sempre estão.

Abandono, assassinatos e tráfico.
Gravidez, orfandade e estelionato.
Assaltos, que de tanto, é natural.
A tristeza é o cardápio do prato.
As lágrimas vêm a acompanhar
a realidade de um buffet espetacular
recheado do mais visível anonimato.

Atordoados vivem professores,
trabalhadores e mais um montão.
sem saber e nem o que fazer
envoltos em um turbilhão
de notícias que nos entristecem
ainda mais porque se repetem
noite e dia em corrupção.

E o pior é que uma proposta é feita
por esses que em cheque estão.
Passando-se por redentores,
reformadores da educação.
Dio mio! Acuda-nos em roga
Por que mais esta prova?
Não basta a atual situação?

Fábio Soares da Costa, Professor


* Publicados na Coluna Pimenteiro na versão impressa do Diário Data X de 05 de maio de 2017

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