O OUTRO LADO DA CIDADE*
Vi ontem uma menina que
debatendo-se de um lado para outro, tentava olhar as pessoas e não
conseguia...nem olhava pra ela mesma...só corria! E nessa corrida,
vi passarem dias e anos de sua vida por entre meus dedos e não
consegui reter a ideia em parágrafos. Tentei segurá-la e dizer
para!!! Mas ela já fugia e fugi também eu.
Vi hoje alguém que se rolava na
cama sem conseguir dormir. Tentei acalentar, mas os braços pendiam
cansados da própria insônia...e eu dormi! Dormi enquanto a vida
corria sem dar lugar ao sonho. No sonho sem sono,
os que dormiam lastimavam a falta
dos braços que não acalentaram.
Vi uma criança abusada...sem
ter noção do trauma, desenvolveu a agressividade. Ninguém
conseguia saciar sua sede de vingança e por isso seus olhos verdes
faiscavam sem noção. Qualquer motivo virava agressão e para tal
não havia limites. E eu intervi. E seu olhar mesclava alegria e dor.
Qual o limite do amor da mãe
nessa história? Deveria ser de força...mas virou paixão pelo
agressor e ela soltou-se da filha e a deixou ir...pra onde? Pouco
importava a distância, desde que fosse pra longe dos olhos do Lobo
Bobo e seu olhar guloso. A mãe quis ser a chapeuzinho...nem viu que
a própria filha havia entrado no bosque...com o lobo.
Vi um menino que chorava porque
apanhou sem bater graças ao código de honra da luta que
treinava...mas, para ele não sobrou honra nenhuma. Os que o
consolavam insistiam em declarar: você só apanhou, não bateu. E
ele engolia seu orgulho ferido com muitas lágrimas de dor e
humilhação. Disse que não queria colocar a família no meio, mas
ela veio e prostrou-se em frente ao colégio para a hora da vingança.
Ela não ocorreu. A polícia chegou. O menino tem 11 anos.
Vi a professora acuada em um
canto da sala enquanto a tempestade de vozes gritadas ecoava pela
sala...raios, trovões e vento...forte! enquanto o temporal ocorria,
a professora ensinava... Português ou Matemática? Não havia como
identificar, nem ela própria sabia...sabia, antes de entrar na sala
de aula, depois já nem sabe o que fazia ali.
Vi uma menina que saiu da casa
lar pra enfrentar a vida e logo viu que não segurava nem a dela... .
Daí, resolveu fazer um filho em si mesma. Começou o seu longo parto
aos 12 anos de idade e espalhava sua própria revolta fazendo da
barriga um troféu à tristeza. Os outros que a aguentassem porque
ela estava grávida... e agarrou a mão da professora e chorou todos
as suas lágrimas... queria passar a responsabilidade daquela vida
que ela via agora que já era, que ela não queria. Então, começou
a beber.
Vi uma criança envolvida em
assassinatos...mas era menor de idade e devia frequentar a
escola...então, ela foi estudar... Maneiras de agredir ao outro que
não tinha tempo de ficar ao seu lado na hora em que ela mais
precisava. Ai, resolveu bater. Chamou a atenção da
profe...empurrou-a com seus braços, não pra matar, só pra mostrar
seu grande drama pessoal! Mas a professora caiu ...Ocorrência!!! A
justiça foi “feita” ...mudou de escola. Resolveu-se o
“problema”.
Vi uma menina com grande dom pra
arte, mas morava numa casa com irmãos, tios , primos, vó,vô...sem
mãe, porque a mãe largou os filhos para seguir um novo amor. E
eles, os filhos, ficaram...na rua ou na casa do outros. A menina
dessa história tinha pai e ele a levou pra casa. A ela e a um novo
filho que era filho da mesma mãe...só!
Vi esse mesmo menino guardar
drogas na mochila e sair com os olhos alucinados correndo pela sala
de aula para conter a adrenalina. Enquanto isso, a rotina escolar
corria...gritos, correria e quadro...negro!!!Esta´ politicamente
correto? Posso referir-me ao caos como negro já que o quadro é
branco? Branco de quê? De limpeza, pois se alguém tenta escrever e
ensinar, vem aquele que não enxerga e, por isso mesmo, apaga com seu
corpo o que está escrito enquanto a profe tenta escrever.
Vi este menino que não vê,
criar teias de aranha em sua cadeira...não tem o que fazer! Não há
material e nem vontade, pois construíram pra ele um castelo de
longas torres em que ele pode se isolar. E acreditar que não tem
destino ...enquanto isso, aproveita o seu laudo sem direito a segunda
profe, afinal ele consegue sair da sala sozinho e ir até o lanche e
sabe usar o banheiro…por que não consegue ler?
Vi uma sala do fundamental cheia
de alunos que não sabem ler, mas passaram pela alfabetização,
afinal pra que permanecer no mesmo ano? O número também não muda?
Então, eles se amontoam na sala e fingem com indisciplina ou solidão
um mundo de letras e símbolos que não lhes pertencem. Então, vi a
professora, no meio do tumulto chorar, porque um aluno leu uma
frase...inteira! E não “sabia” ler, só copiava o que mandavam.
Mas leu. No único minuto de paz que houve na sala. Depois tudo
voltou ao “normal”.
Vi a dor em forma de violência,
a inocência em forma de lascívia, a revolta transformar-se em risos
histéricos embriagados, a decepção travestida em TDH, a esperança
guardar-se no fundo dos olhos...quem sabe um dia? Cheguei mais perto
da sala e vi lá, no fundo acuado, pares de olhos vibrantes grudando
em mim, como se dizendo: continua! E eu continuei...
Enquanto isso, o governo tem uma
fórmula para o novo Ensino Médio...
Marcia
Brasil Stonoga, Professora, especialista em Estética
INVISIBILIDADES*
Vida olhada,
vivida, partida, juntada.
Mardita, bendita, frustrada,
corrida e de noite enfadada.
Vida olhada,
Ardida, sentida e amada
por quem dela faz a estrada
A vida, na verdade é...
aquela que dela se faz.
Em fuga dos medos de mim
ou quem sabe de um Alcatraz.
Correndo sem olhar para os lados.
Sem escrever seus lindos
parágrafos,
sem sonhos e uma insônia
costumaz.
Os braços da vida acalentam
Outras vidas que deles precisam.
Abusos de arbustos florescem
de forma vigente, ardil e
paralisam
pequena vida vivida e entorpecem
com raiva e vingança que
aparecem
chafurdando os que no sonho
acreditam.
E amor? Com amor se paga?
Nem sempre é isso que acontece.
Por vezes, o amor se apaga
dando lugar ao que empobrece
o amor, que em estupor se instala
fazendo do amor luz macabra
e o Lobo que da Chapeuzinho se
apetece.
A violência daí surge um tanto
como mágica sem explicação?
Não!
É construída e alicerçada em
cantos,
gabinetes e a falta de educação
“prum” povo que vive de
encantos,
promessas, conchavos e de mandos
dos que no poder sempre estão.
Abandono, assassinatos e tráfico.
Gravidez, orfandade e
estelionato.
Assaltos, que de tanto, é
natural.
A tristeza é o cardápio do
prato.
As lágrimas vêm a acompanhar
a realidade de um buffet
espetacular
recheado do mais visível
anonimato.
Atordoados vivem professores,
trabalhadores e mais um montão.
sem saber e nem o que fazer
envoltos em um turbilhão
de notícias que nos entristecem
ainda mais porque se repetem
noite e dia em corrupção.
E o pior é que uma proposta é
feita
por esses que em cheque estão.
Passando-se por redentores,
reformadores da educação.
Dio mio! Acuda-nos em roga
Por que mais esta prova?
Não basta a atual situação?
Fábio
Soares da Costa, Professor
*
Publicados na Coluna Pimenteiro na versão impressa do Diário Data X
de 05 de maio de 2017
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