sexta-feira, 26 de maio de 2017

O REI ESTÁ NU*


Era uma vez, num país não muito distante, uma chefe de Estado com dificuldades para negociar com outros políticos importantes e influentes de seu pais.
Naqueles tempos nebulosos, surgiram, com as mais variadas máscaras, pessoas autointituladas guardiões da verdade e do bem. Um era pastor que sempre esbravejava ao falar; outro fazia filmes adultos quando era mais moço; havia um que usava toga e martelo em uma capital do Sul daquele pobre país; outro ainda era um ex-militar obtuso e oportunista... E ainda uma outra que era advogada, professora, e que afirmava que quando tinha 11 anos jurou a um chefe de Estado moribundo que zelaria por aquele país - esses profetas da verdade começam cedo! Um poderoso clã se uniu a esse grupo e, como controlava as comunicações daquele país, deixava todo mundo informado das incríveis descobertas dos guardiões da verdade. A verdade descoberta por eles era acessível apenas às pessoas de um certo nível. Segundo eles, os menos inteligentes não podiam ver...
A grande revelação é que eram todos corruptos, a chefe de Estado e sua agremiação política. Só não via quem não tinha a inteligência suficiente para ver. Muitos dos que passaram a ver o traje criminoso da chefe de Estado atribuíam a dificuldade em enxergar dos seus apoiadores ao regime alimentar: sanduíche de mortadela. Um grupo de empreendedores, visionários e honestos, conforme diziam os profetas, formado apenas por não comedores de sanduíche de embutido suíno, ofereceu um totem amarelo, um deus da guerra emborrachado, para o qual eram dirigidos os hinos de louvor e os versos decorados e coreografados. Todos o carregavam consigo. Cassada a chefe de Estado, foi empossado outro pelos guardiões. Esse outro era homem probo, só não via quem ainda estava preso à dieta de embutidos e farinha, era o que se dizia...
O véu da corrupção, jogado sobre a chefe de Estado e seus aliados pelos guardiões da verdade, liberava que os grandes corruptos agissem como queriam. Já sobre aqueles que matam antes de delatar, foi posto um véu de boas intenções, só não via quem não tinha a inteligência necessária. Tal qual ratazanas esfomeadas tinham pressa. Era preciso oferecer o sacrifício ao deus-pato-amarelo, tão esfomeado quanto àquelas.
Em pouco tempo aqueles que saíram às ruas contra a chefe de Estado já não viam mais a roupa de honestidade que o novo ocupante da cadeira e seus apoiadores, atucanadamente trajavam: “mas como admitir isso? E a vergonha, meu Deus?! Vão dizer que virei mortadela! Ou então, vão dizer que eu estava errado, que fui enganado, que vergonha!”. Ninguém mais via o véu, entretanto ninguém deles ousava dizer, bradar, a plenos pulmões!
Até que um dia, um fabricante de mortadela...
Bruno Antonio Picoli - Professor


O REI ESTÁ NU*

Que podre era aquele reino!
Cheio de desaventuranças.
Quem? A chefe de Estado
agremiada e sem alianças.
Corrupta até o talo!
Malfadada e em retalho.
Desprovida de esperanças.

Até que a dádiva surge:
Os guardiões da verdade.
Travestidos e mascarados,
personificando a sanidade.
Que pena: pois só inteligentes,
visionários um tanto regentes
sucumbem em perplexidade.

Hino de louvor
e verso declarado
não foi suficiente
pra manter anonimato.
E eis que o novo ocupante
temerário e ultrajante
vai perder o seu cajado.

O novo reino anunciado:
probo e iluminado.
não percebia que de máscaras
mostra-se apenas um lado
E que a verdade não seja dita
pois a mentira é atrevida
e pertence até aos calados.

Fábio Soares, Professor



* Publicados na Coluna Pimenteiro na versão impressa do Diário Data X de 26 de maio de 2017

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