sexta-feira, 26 de maio de 2017

QUE OS MORTOS NÃO ENTERREM OS VIVOS*

Educação vem de casa!”. Essa premissa contém um pouco de verdade e muito de ilusão. Isso depende do que compreendemos por educação. Se por essa palavra polissêmica compreendemos “boas maneiras”, “respeito aos mais velhos”, e tudo o que de bom e de mau cabem nesses dois valores, a afirmação é demasiado acertada. Mas é possível que existam dimensões más em “ter boas maneiras” e em “respeitar os mais velhos”? Se por bons modos for entendido comedimento irrestrito à moral vigente e pudor extremo ao agir diante de uma situação que prejudica o próprio indivíduo ou terceiros, possuí-los (os bons modos) é um valor negativo. É portador desses bons modos prejudiciais o indivíduo tomado por tamanha passividade para quem sair às ruas contra o desmonte de direitos tão elementares quanto à dignidade do trabalho, a aposentadoria em tempo compatível com seu desfrute e o acesso a serviços públicos com qualidade e crescentes é “coisa feia, de quem não tem nada mais importante fazer”. Ser diretamente atingido por essas violações não é o suficiente para que supere as amarras morais do “cidadão de bem”.
Respeitar os mais velhos também é um problema se tal postura se der como servilismo envernizado, ou seja, muda-se o suporte tecnológico, mas não se experimenta a vida de modo diferente e novo. O respeito absorto à tradição, ao que é mais velho, impede a inauguração de uma forma nova e superior de viver a vida, tornando-a refém do passado. Há uma pergunta de Nietzsche que merece ser respondida por cada indivíduo: “se condenado a viver por toda eternidade, a vida que vivo e o mundo em que vivo essa vida, satisfazer-me-iam?”
Educação vem de casa sim, mas não só! Há um conjunto de instituições que educam e é possível afirmar que a educação de um indivíduo ocorre o tempo todo e em todos os espaços. Além disso, educar é mais do que ensinar a se portar e sobretudo não é dizer o que um indivíduo tem que fazer, privando-o de outras perspectivas alternativas. É possível ser educado para o não pensamento, para o servilismo, para se entregar como refém voluntário de uma tradição que impede que a novidade apareça. Esse modelo de educação é o que impede o questionamento aos valores morais tão caros aos indivíduos e suas famílias, que interdita qualquer perspectiva reconhecida pela comunidade científica, caso representem ameaças racionais às crenças do grupo ao qual pertence (sejam elas religiosas, morais e/ou científicas).
É possível também ser educado para o pensamento (que não é mero raciocínio lógico). Porém, para tal, às vezes é preciso estar disposto a questionar seus próprios valores, suas tradições, crenças e autoridades. Significa questionar os mais velhos e, não raro, dispensar as boas maneiras servís. Talvez até para reassumir as crenças e valores que possui, dessa vez a partir de uma perspectiva amadurecida, de uma escolha de fato, já que seu horizonte de possibilidades não foi limitado a esses conjuntos restritos e restritivos de valores.

Bruno Antonio Picoli, Professor



EDUCAR-ME-ÃO*

Digo-te leitor
um tanto de pensamento
que se misturam em mim
a procurar vil alento.
Repensando a tradição,
e o que haveria de ser educação
neste temerário momento.

Educação de casa é muito boa?
Sobretudo se há obediência
à moral e os bons costumes
sem nenhuma dissidência,
Aos mais velhos em respeito
e um questionamento bem estreito
que não desamarra aparência.

Viver a vida em passado
satisfaz a tradição
Mas isso me satisfaz?
Ou impede a inauguração?
De uma nova forma de viver
e de muito entender
servilismo e escravidão.

A educação não pode impedir
perspectivas alternativas.
Praticar o não pensamento
às sombras exortivas
de crenças religiosas, morais
e também científicas.
De modo restrito e fechado
como pássaro engaiolado
de cantoria sem expectativas.

Fábio Soares da Costa, Professor



* Publicados na Coluna Pimenteiro na versão impressa do Diário Data X de 07 de abril de 2017

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