QUE OS MORTOS NÃO ENTERREM OS VIVOS*
“Educação vem de casa!”. Essa premissa contém um
pouco de verdade e muito de ilusão. Isso depende do que
compreendemos por educação. Se por essa palavra polissêmica
compreendemos “boas maneiras”, “respeito aos mais velhos”, e
tudo o que de bom e de mau cabem nesses dois valores, a afirmação é
demasiado acertada. Mas é possível que existam dimensões más em
“ter boas maneiras” e em “respeitar os mais velhos”? Se por
bons modos for entendido comedimento irrestrito à moral vigente e
pudor extremo ao agir diante de uma situação que prejudica o
próprio indivíduo ou terceiros, possuí-los (os bons modos) é um
valor negativo. É portador desses bons modos prejudiciais o
indivíduo tomado por tamanha passividade para quem sair às ruas
contra o desmonte de direitos tão elementares quanto à dignidade do
trabalho, a aposentadoria em tempo compatível com seu desfrute e o
acesso a serviços públicos com qualidade e crescentes é “coisa
feia, de quem não tem nada mais importante fazer”. Ser diretamente
atingido por essas violações não é o suficiente para que supere
as amarras morais do “cidadão de bem”.
Respeitar os mais velhos também é um problema se tal
postura se der como servilismo envernizado, ou seja, muda-se o
suporte tecnológico, mas não se experimenta a vida de modo
diferente e novo. O respeito absorto à tradição, ao que é mais
velho, impede a inauguração de uma forma nova e superior de viver a
vida, tornando-a refém do passado. Há uma pergunta de Nietzsche que
merece ser respondida por cada indivíduo: “se condenado a viver
por toda eternidade, a vida que vivo e o mundo em que vivo essa vida,
satisfazer-me-iam?”
Educação vem de casa sim, mas não só! Há um
conjunto de instituições que educam e é possível afirmar que a
educação de um indivíduo ocorre o tempo todo e em todos os
espaços. Além disso, educar é mais do que ensinar a se portar e
sobretudo não é dizer o que um indivíduo tem que fazer, privando-o
de outras perspectivas alternativas. É possível ser educado para o
não pensamento, para o servilismo, para se entregar como refém
voluntário de uma tradição que impede que a novidade apareça.
Esse modelo de educação é o que impede o questionamento aos
valores morais tão caros aos indivíduos e suas famílias, que
interdita qualquer perspectiva reconhecida pela comunidade
científica, caso representem ameaças racionais às crenças do
grupo ao qual pertence (sejam elas religiosas, morais e/ou
científicas).
É possível também ser educado para o pensamento (que
não é mero raciocínio lógico). Porém, para tal, às vezes é
preciso estar disposto a questionar seus próprios valores, suas
tradições, crenças e autoridades. Significa questionar os mais
velhos e, não raro, dispensar as boas maneiras servís. Talvez até
para reassumir as crenças e valores que possui, dessa vez a partir
de uma perspectiva amadurecida, de uma escolha de fato, já que seu
horizonte de possibilidades não foi limitado a esses conjuntos
restritos e restritivos de valores.
Bruno Antonio Picoli, Professor
EDUCAR-ME-ÃO*
Digo-te leitor
um tanto de pensamento
que se misturam em mim
a procurar vil alento.
Repensando a tradição,
e o que haveria de ser educação
neste temerário momento.
Educação de casa é muito boa?
Sobretudo se há obediência
à moral e os bons costumes
sem nenhuma dissidência,
Aos mais velhos em respeito
e um questionamento bem estreito
que não desamarra aparência.
Viver a vida em passado
satisfaz a tradição
Mas isso me satisfaz?
Ou impede a inauguração?
De uma nova forma de viver
e de muito entender
servilismo e escravidão.
A educação não pode impedir
perspectivas alternativas.
Praticar o não pensamento
às sombras exortivas
de crenças religiosas, morais
e também científicas.
como pássaro engaiolado
de cantoria sem expectativas.
Fábio
Soares da Costa, Professor
*
Publicados na Coluna Pimenteiro na versão impressa do Diário Data X
de 07 de abril de 2017
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