sexta-feira, 26 de maio de 2017


O QUE QUEREM OS CONTRÁRIOS À JUSTIÇA DO TRABALHO?*

De tempos em tempos surge alguma ofensiva contra a Justiça do Trabalho. Advogam aqueles que defendem os mesmos interesses que esse ramo especializado do judiciário gasta muito, mas oferece algo que poderia ser alcançado por outros meios (negociação com entes sindicais ou distribuição direta pelos empresários) e prejudica substancialmente a geração de empregos (a proteção seria excessiva e o empresário “sempre perde”, argumentam). O espaço é pequeno – embora valioso – para a defesa de uma instituição pensada para oferecer resposta célere e adequada constitucionalmente especialmente àqueles destituídos de voz e força (especialmente econômica).
Talvez seja necessário, para reforçar a importância do judiciário trabalhista, salientar a relevância do próprio trabalho na vida do ser humano. Por meio do trabalho, o ser humano modifica a natureza e alcança satisfação material e espiritual, integrando-se a outros (vivência social que humaniza) e dignificando-se, especialmente quando é seu o resultado de seu esforço. Esta importância é diminuída sorrateiramente por uma mídia controlada por grandes grupos econômicos e, também, em espaços geográficos menores, por periódicos e colunistas na maior parte das vezes vinculados ao poder econômico local. Essa vinculação promíscua permite a proliferação de interesses velados, propagados como certos.
Em seu aspecto econômico, é necessário também afirmar que é pelo trabalho – e principalmente pelo emprego – que a grande maioria das pessoas tem acesso a condições materiais mínimas de subsistência. Por fim, em sua vertente jurídica, o trabalho é um direito, garantido pela Constituição, ao lado de educação, saúde, alimentação, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Logo, não faz favor algum quem gera emprego, pois é uma obrigação da sociedade (e do capital) oferecer trabalho!
O trabalho a ser ofertado, por sua vez, deve ser digno ou decente, pois a Constituição exige a valorização social de quem trabalha. Nesse rumo, soa absolutamente falsa a afirmação de que qualquer trabalho é melhor do que nenhum (tese em voga, atualmente), o que – em rigor - justificaria até mesmo o trabalho escravo tradicional. E trabalho decente é o socialmente protegido, com salário suficiente para atender as necessidades familiares e jornada máxima respeitada, com efetiva negociação coletiva (cuja finalidade hoje é desvirtuada) e sem qualquer tipo de discriminação negativa em que exista uma vinculação direta de quem trabalha àquele beneficiado pelo resultado de sua produção (o que não acontece, por exemplo, na famigerada terceirização).
O direito ao trabalho decente pressupõe ainda assegurar sua proteção contra abusos do poder econômico (afinal, as primeiras normas de proteção ao trabalho surgem em virtude da exploração do ser humano por outro ser humano, ocasião em que preponderava a “livre negociação” e, em virtude disso, salários miseráveis para jornadas indecentes...). Aqui, para rechaçar a tese de que a proteção ao trabalho é excessiva, basta questionar: que proteção em excesso é esta que não protege nem mesmo o emprego das pessoas? Sim, a relação de emprego no Brasil não conta com uma efetiva proteção (embora exista uma ordem do constituinte neste sentido, desde 1988, nunca regulamentada). O empresário pode a qualquer tempo, exceto nos restritos casos de estabilidade no emprego, despedir aquele que para ele trabalha, independentemente do tempo de serviço, das condições familiares e da idade, como exemplo.
Por outro lado, de pouca efetividade seria o princípio de valorização social do trabalho se ao trabalhador não se assegurasse o acesso a um meio eficaz e rápido de cobrança de seus direitos. Imprescindível para tanto uma justiça especializada em questões que envolvam o trabalho humano, composta por pessoas com formação específica para a salvaguarda de conquistas históricas dos trabalhadores.
Afirmar que os empregadores sempre perdem nesta justiça é, para medir as palavras, no mínimo temerário. Uma alegação destas exigiria, ao menos daqueles que conhecem os princípios do jornalismo, uma demonstração numérica desta conclusão. Na verdade, cerca de 10% das ações propostas na justiça do trabalho são julgadas totalmente improcedentes (o pedido do empregado é integralmente rejeitado) e, em outro tanto, o pedido é integralmente acolhido. Na maior parte dos casos, portanto, o pedido do empregado é parcialmente acolhido, o que significa dizer que algumas pretensões são atendidas e, outras tantas, rejeitadas.
Os motivos desse acolhimento parcial podem ser explorados em outra oportunidade, mas a título de curiosidade deve ser dito, desde já, que em cerca de 50% dos casos a pretensão envolve verbas rescisórias (ou seja, os empregados perdem o emprego e não recebem nem sequer as verbas finais). Aliás, temos exemplos recentíssimos dessa situação em Xaxim. A justiça do trabalho protege demais ao acolher o direito destas pessoas? Sem a Justiça do Trabalho, os empresários vão entregar o dinheiro devido diretamente aos trabalhadores?
Pensemos!

Régis Trindade de Mello, Professor e Juiz do Trabalho



ADMIRÁVEL GADO NOVO!*

Ôôô, boi

Vocês que fazem parte dessa massa
Que passa nos projetos do futuro
É duro tanto ter que caminhar
E dar muito mais do que receber

E ter que demonstrar sua coragem
À margem do que possa parecer
E ver que toda essa engrenagem
Já sente a ferrugem lhe comer

Ê, ô, ô, vida de gado
Povo marcado, ê!
Povo feliz!

Assim,
Zé Ramalho me inspira
a pensar sobre o tratado.
E aqui, sobre a justiça
a transformar-se em retalho
por aqueles a reclamar
que sempre perdem um lugar
na justiça do trabalho.

Vejam só que curioso
santa bondade empresarial
que julga prestar favor
como se direito não fosse tal
E que tal sem a justiça,
pra proteger-nos da movediça
areia proposital?

Trabalho é dignidade
e com decência de ser feito.
Por ele bem receber
pra ficar bem satisfeito.
E a justiça é muito bem-vinda
pra garantir, quando na berlinda
eu trabalhar para um malfazejo.

Fábio Soares da Costa, Professor




* Publicados na Coluna Pimenteiro na versão impressa do Diário Data X de 28 de abril de 2017

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