O QUE QUEREM OS CONTRÁRIOS À JUSTIÇA DO TRABALHO?*
De tempos em tempos surge alguma ofensiva contra a Justiça do
Trabalho. Advogam aqueles que defendem os mesmos interesses que esse
ramo especializado do judiciário gasta muito, mas oferece algo que
poderia ser alcançado por outros meios (negociação com entes
sindicais ou distribuição direta pelos empresários) e prejudica
substancialmente a geração de empregos (a proteção seria
excessiva e o empresário “sempre perde”, argumentam). O espaço
é pequeno – embora valioso – para a defesa de uma instituição
pensada para oferecer resposta célere e adequada constitucionalmente
especialmente àqueles destituídos de voz e força (especialmente
econômica).
Talvez seja necessário, para reforçar a importância do judiciário
trabalhista, salientar a relevância do próprio trabalho na vida do
ser humano. Por meio do trabalho, o ser humano modifica a natureza e
alcança satisfação material e espiritual, integrando-se a outros
(vivência social que humaniza) e dignificando-se, especialmente
quando é seu o resultado de seu esforço. Esta importância é
diminuída sorrateiramente por uma mídia controlada por grandes
grupos econômicos e, também, em espaços geográficos menores, por
periódicos e colunistas na maior parte das vezes vinculados ao poder
econômico local. Essa vinculação promíscua permite a proliferação
de interesses velados, propagados como certos.
Em seu aspecto econômico, é necessário também afirmar que é pelo
trabalho – e principalmente pelo emprego – que a grande maioria
das pessoas tem acesso a condições materiais mínimas de
subsistência. Por fim, em sua vertente jurídica, o trabalho é um
direito, garantido pela Constituição, ao lado de educação, saúde,
alimentação, moradia, transporte, lazer, segurança, previdência
social, proteção à maternidade e à infância e assistência aos
desamparados. Logo, não faz favor algum quem gera emprego, pois é
uma obrigação da sociedade (e do capital) oferecer trabalho!
O trabalho a ser ofertado, por sua vez, deve ser digno ou decente,
pois a Constituição exige a valorização social de quem trabalha.
Nesse rumo, soa absolutamente falsa a afirmação de que qualquer
trabalho é melhor do que nenhum (tese em voga, atualmente), o que –
em rigor - justificaria até mesmo o trabalho escravo tradicional. E
trabalho decente é o socialmente protegido, com salário suficiente
para atender as necessidades familiares e jornada máxima respeitada,
com efetiva negociação coletiva (cuja finalidade hoje é
desvirtuada) e sem qualquer tipo de discriminação negativa em que
exista uma vinculação direta de quem trabalha àquele beneficiado
pelo resultado de sua produção (o que não acontece, por exemplo,
na famigerada terceirização).
O direito ao trabalho decente pressupõe ainda assegurar sua proteção
contra abusos do poder econômico (afinal, as primeiras normas de
proteção ao trabalho surgem em virtude da exploração do ser
humano por outro ser humano, ocasião em que preponderava a “livre
negociação” e, em virtude disso, salários miseráveis para
jornadas indecentes...). Aqui, para rechaçar a tese de que a
proteção ao trabalho é excessiva, basta questionar: que proteção
em excesso é esta que não protege nem mesmo o emprego das pessoas?
Sim, a relação de emprego no Brasil não conta com uma efetiva
proteção (embora exista uma ordem do constituinte neste sentido,
desde 1988, nunca regulamentada). O empresário pode a qualquer
tempo, exceto nos restritos casos de estabilidade no emprego,
despedir aquele que para ele trabalha, independentemente do tempo de
serviço, das condições familiares e da idade, como exemplo.
Por outro lado, de pouca efetividade seria o princípio de
valorização social do trabalho se ao trabalhador não se
assegurasse o acesso a um meio eficaz e rápido de cobrança de seus
direitos. Imprescindível para tanto uma justiça especializada em
questões que envolvam o trabalho humano, composta por pessoas com
formação específica para a salvaguarda de conquistas históricas
dos trabalhadores.
Afirmar que os empregadores sempre perdem nesta justiça é, para
medir as palavras, no mínimo temerário. Uma alegação destas
exigiria, ao menos daqueles que conhecem os princípios do
jornalismo, uma demonstração numérica desta conclusão. Na
verdade, cerca de 10% das ações propostas na justiça do trabalho
são julgadas totalmente improcedentes (o pedido do empregado é
integralmente rejeitado) e, em outro tanto, o pedido é integralmente
acolhido. Na maior parte dos casos, portanto, o pedido do empregado é
parcialmente acolhido, o que significa dizer que algumas pretensões
são atendidas e, outras tantas, rejeitadas.
Os motivos desse acolhimento parcial podem ser explorados em outra
oportunidade, mas a título de curiosidade deve ser dito, desde já,
que em cerca de 50% dos casos a pretensão envolve verbas rescisórias
(ou seja, os empregados perdem o emprego e não recebem nem sequer as
verbas finais). Aliás, temos exemplos recentíssimos dessa situação
em Xaxim. A justiça do trabalho protege demais ao acolher o direito
destas pessoas? Sem a Justiça do Trabalho, os empresários vão
entregar o dinheiro devido diretamente aos trabalhadores?
Pensemos!
Régis Trindade de Mello, Professor e Juiz do Trabalho
ADMIRÁVEL GADO NOVO!*
Ôôô, boi
Vocês que fazem parte dessa massa
Que passa nos projetos do futuro
É duro tanto ter que caminhar
E dar muito mais do que receber
E ter que demonstrar sua coragem
À margem do que possa parecer
E ver que toda essa engrenagem
Já sente a ferrugem lhe comer
Ê, ô, ô, vida de gado
Povo marcado, ê!
Povo feliz!
Assim,
Zé Ramalho me inspira
a pensar sobre o tratado.
E aqui, sobre a justiça
a transformar-se em retalho
por aqueles a reclamar
que sempre perdem um lugar
na justiça do trabalho.
Vejam só que curioso
santa bondade empresarial
que julga prestar favor
como se direito não fosse tal
E que tal sem a justiça,
pra proteger-nos da movediça
areia proposital?
Trabalho é dignidade
e com decência de ser feito.
Por ele bem receber
pra ficar bem satisfeito.
E a justiça é muito bem-vinda
pra garantir, quando na berlinda
eu trabalhar para um malfazejo.
Fábio
Soares da Costa, Professor
*
Publicados na Coluna Pimenteiro na versão impressa do Diário Data X
de 28 de abril de 2017
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